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Morrer em cada palavra




Palavra após palavra, gestos após gestos,

gasto horizontes em futuros já passados,

como se o tempo fosse uma folha espezinhada,

lida e relida, escrita e apagada vezes incontáveis..

Olho-me sem me ver e constato a evidência

desta forma incompreensível de sustentar a ausência...

Procuro alguma sombra, um vulto, um aceno,

ou apenas uma ilusão capaz de me adiar um pouco mais...

Receio que este seja o meu último pântano,

relembrando oceanos infinitos onde naufragar...


Barão de Campos

Manuscrito


Lembro-me do tempo em que se escreviam cartas,
do tempo em que se aguardava ansiosamente a vinda do carteiro...
Pegava na carta, olháva o remetente e conseguia sentir
uma presença, um gesto, um, sorriso ou uma lágrima...

A cor e o cheiro revelavam lugares, paisagens, sentimentos,
o envelope amarrotado, talvez um pouco encardido,
revelava a sua história...

Cuidadosamente, para não rasgar a carta,
abria o envelope, retirava a missiva e iniciava
a longa viagem...

Cada letra, frase ou rasura denunciava
as etapas do pensamento...

No final, buscava algo mais, uma nota de rodapé,
um vestígio de alguma coisa que desejavas ter dito
e não o disseste...

Naquela noite e nas seguintes,
a tua carta era todo o meu património,
um testemunho da minha e da tua existência...

Na manhã seguinte, pegava na caneta,
olhava o papel como se lhe imprimisse um desejo,
desenhava os meus sentimentos,
talvez desejos, talvez receios e mágoas profundas...

Num gesto único, dobrava a carta,
colocava-a dentro de um envelope personalizado,
meticulosamente colado, escolhia um selo,
olhava o relógio e corria para o marco do correio...
Olhava em meu redor, certificando-me se alguém me olhava,
colocava a carta na abertura do marco,
tendo o cuidado de escutar o som da sua queda...

Lembro-me, como era possível manuscrever uma lágrima...



Barão de Campos

Onde estiveres...


Entre pensamentos, rostos e lugares,

encontrarás e escutarás vezes sem conta,

silhuetas, vozes, memórias de um tempo

que se cansou da espera nunca esperada...

Inventávamos um tempo sem tempo

entre dois espaços separados por alguma coisa

que se travestia de eternidade...

Vazios os teus olhos olham, distantes,

aqueles pequenos e imensos nadas,

que sabiam a tudo...

Lugares onde as mãos falavam, sussurravam,

por vezes choravam...

Longe, os horizontes parecem clamar

por um novo abraço...

Entre a neblina dos caminhos,

nascem formas perdidas,

ouvem-se canções, melodias, lamentos, múrmurios...

Indiferentes, as noites dobram-se,

as árvores espreguiçam-se e entre uma lágrima

e um sorriso, a lua preenche a invisibilidade dos nossos lábios...

Na magia dos lugares sem nome,

pairam os nossos fantasmas,

entrelaçadas numa dança eterna...

Húmidos, os bosques, pululam de vida,

longínquos, os sons das fadas e dos gnomos,

misturam-se com vestígios da presença ausente

dos nossos corpos...

Na memória dos ventos, ondulam as últimas palavras,

espelhos do tempo, molduras com imagens serpenteando,

opacas, nubladas, encarceradas...

Algures, estamos nós...
Barão de Campos